Cidade Criativa Pedra Branca

ARTIGOS

Pedra Branca: o poder transformador do urbanismo

Por Maximo Rumis e Marcela Leiva*

O MOMENTO HISTÓRICO atual nos apresenta grandes desafios relacionados à maneira como podemos continuar nosso desenvolvimento social, cultural, econômico e tecnológico, mantendo a integridade do sistema ecológico. Ao mesmo tempo, apresenta também a grande oportunidade de que os lugares onde vivemos se tornem verdadeiros catalisadores para o desenvolvimento de uma cultura próspera, e, finalmente, de uma civilização mais saudável, mais justa e mais humana.

Como urbanistas, somos movidos pela paixão de tornar os projetos em lugares únicos, memoráveis, e temos a forte crença de que o bom design do ambiente construído tem o poder de influenciar positivamente o comportamento social e melhorar a vida das pessoas. Acreditamos que, para alcançar uma sociedade mais civilizada e preservar o meio ambiente, é essencial promover novas opções de desenvolvimento urbano, que considerem a cidade um metabolismo, um conjunto integral que deve ser complementado pelo ambiente natural e que possua uma forte sinergia entre seus componentes, aproveitando os recursos renováveis nos quais as diversas ações individuais se somam de maneira positiva ao conjunto geral, convergindo para uma maior qualidade ambiental, de maneira que os resultados produzam espaços onde seus habitantes tenham a possibilidade de viver mais confortáveis, com mais oportunidades, com maior liberdade e, finalmente, mais felizes.

Pedra Branca, desde sua concepção, apoiada por um grande grupo de sonhadores, foi pioneira com sua proposta inovadora baseada na criação de cidades mais humanas, mais “caminháveis”, mais inclusivas e mais diversas. Desafiou o status quo e quebrou décadas de inércia do mercado que estava representado pelos paradigmas clássicos do urbanismo desagregado, fragmentado, fechado e suburbano. Inspirou uma mudança radical, um profundo debate, uma reflexão sobre os valores e premissas que devem propiciar os lugares para habitar.

Maximo Rumis

“Áreas urbanas bem desenhadas podem ser potencializadoras de cultura, colaboração e tolerância.” Maximo Rumis

Assim, Pedra Branca foi registrada nos anais da história por ser a primeira a propor, de maneira visionária, que as cidades pudessem ser projetadas com base em princípios de integração, nos quais seus componentes pudessem se relacionar de uma maneira mais holística, criando ambientes mais amigáveis para o desenvolvimento e o deleite; que as novas comunidades pudessem ser um veículo de mudança positiva para toda uma região; que investir na provisão de espaços públicos abertos, cívicos e de qualidade geraria áreas que fomentassem encontros, interação social, confiança, cooperação, tolerância e criatividade, formando laços estreitos entre seus moradores, promovendo o desenvolvimento de uma sociedade forte, orgulhosa e mais saudável.

Pedra Branca é um legado que reforça o valor de viver em comunidade. Tornou-se referência de passeio, lazer e diversão, atuando como um verdadeiro catalisador para aproximar as pessoas e gerar experiências positivas. Demonstrou, assim, que o urbanismo compacto pode resolver uma das questões mais importantes do ser humano: a necessidade natural de viver em sociedade, de se conectar com os outros, e que as áreas urbanas bem desenhadas podem ser potencializadoras de cultura, colaboração e tolerância.

Pedra Branca teve o poder de transformar a maneira como as pessoas vivem e interagem. Os moradores e visitantes tornaram-se mais sociáveis e amigáveis. Vizinhos, amigos e famílias uniram-se, criando um forte senso de identidade e de comunidade, enfatizando que nada é mais saudável do que estar cercado por um ambiente positivo que proporciona prazer e felicidade. Assim, o modelo urbano da Pedra Branca tem demonstrado não somente ser ambientalmente responsável, mas, também, teve a capacidade de gerar desenvolvimento social, econômico e, fundamentalmente, o poder de criar locais de uma excepcional qualidade de vida.

Pedra Branca é o primeiro modelo construído de novas comunidades que mostra uma maneira diferente de realizar o planejamento urbano, onde se podem experimentar os benefícios da cidade compacta, mais humana, e as vantagens do uso misto, ter ruas amigáveis e a possibilidade de se tornar laboratório de urbanismo de um modelo de superação cujos princípios podem ser imitados e implementados em qualquer entorno e escala de desenvolvimento.

Espírito sonhador

Posicionando-nos no tempo e no espaço, há 20 anos afirmaríamos que é impossível empreender um desenvolvimento como o da Cidade Pedra Branca sem um pouco de utopia e rebeldia, sem um espírito sonhador. Acompanhar Pedra Branca em seu processo tem sido um privilégio, uma viagem verdadeiramente enriquecedora, que nos deixou queridos amigos, muitos ensinamentos e, acima de tudo, muitas satisfações.

Há duas décadas, uma semente foi plantada, talvez em solo pouco fértil, com inúmeras desvantagens – de localização, de mercado e históricas. Porém, essa semente demonstrou ser forte, germinou e já podemos começar a ver a árvore dando frutos. É muito esperançoso para a futura direção do mercado urbano ver como um lugar que empreende uma viagem improvável, sonhadora, ainda que seja um local periférico, longe do centro de atenção, vira um referente capaz de desafiar os relatos de planejamento urbano desagregado, tornando-se uma referência de modelo de sustentabilidade, de planejamento urbano baseado na “caminhabilidade”, de cidade criativa, uma força capaz de influenciar a maneira de pensar o planejamento urbano da região e em nível global.

Na tarefa de planejamento urbano, temos, como objetivo, gerar ambientes imersivos, uma visão na qual se imagina o entorno físico completo e se presume o tipo de vida que esse padrão vai gerar. Não obstante, uns dos aspectos paradigmáticos é que podemos desenhar prédios, ruas, praças e, em definitivo, todo o ambiente físico, o cenário. Porém, é impossível desenhar a vida resultante que os iluminará. A vida, em realidade, surge e interage de maneira orgânica. E ver que a vida floresceu, surgiu de uma forma expansiva, positiva, ver nas ruas, e praças, comportamentos amáveis e solidários, famílias desfrutando do passeio, e ver pessoas felizes interagindo é a recompensa mais reconfortante que qualquer um pode imaginar para aqueles que têm trabalhado na criação da Cidade Pedra Branca.

Marcela Leiva

“A Pedra Branca é um legado que reforça o valor de viver em comunidade.” Marcela Leiva

 

Pedra Branca nos revelou, desde cedo, a possibilidade de mudar um dos maiores paradigmas, o de que a cidade no Brasil, e em geral em toda América Latina, devia ser necessariamente uma experiência frustrante – o tráfego, o transporte público, as muralhas, os parques abandonados, muitas pessoas –, em definitivo, um lugar agressivo, estéril, um ponto constante de tensão e conflito e que devíamos nos acostumar com um espaço urbano que nos proporcionasse experiências medíocres, e que, se quiséssemos desfrutar da beleza de experiências enriquecedoras, deveríamos sair de férias.

Nesse sentido, Pedra Branca desmitificou essa crença, afirmando que, assim como a música pode encher a alma, uma escultura, uma pintura pode te comover, um bom filme pode mexer nas tuas fibras mais íntimas, os lugares onde moramos têm o poder de nos inspirar, de nos emocionar positivamente, de nos oferecer a possibilidade de nos relacionarmos de uma maneira amável e de nos inspirarmos para sermos melhores seres humanos.

É maravilhoso vivenciar e observar como Pedra Branca gerou um entorno físico, um conjunto de prédios e espaços cívicos cujas caraterísticas, detalhes, e a maneira com que cada uma dessas partes interage sinfonicamente, geram vida, em ambientes que facilitam o convívio social de um modo amável. Quando isso acontece, ocorre algo maravilhoso: as pessoas começam a se entender numa linguagem muito mais profunda que a falada, surgindo uma energia, uma linguagem tácita, uma comunicação interna na qual nos sentimos parte do todo, em harmonia com o que gira ao redor de nós.

Essas interações positivas entre indivíduos usando o espaço urbano, como quando os motoristas cedem o passo aos pedestres, quando famílias inteiras saem para aproveitar os espaços públicos, quando os estranhos se cumprimentam nas ruas e iniciam uma conversa, são todos comportamentos positivos que geram um círculo virtuoso, geram uma energia semelhante à produzida pelos pensamentos positivos dentro do corpo humano, que são capazes de, por meio de conexões positivas, renovar as células do corpo e promover a cura. De maneira equivalente, o bom planejamento urbano provou, a partir dessas interações, que é capaz de sarar, de gerar uma sociedade mais coesa, mais saudável, mais solidária, com indivíduos mais felizes.

Estamos acostumados a que nosso perímetro de confiança no qual nos sentimos confortáveis seja nossa casa – a partir dela, os limites começam a ser nebulosos. Mas, se é gerada confiança para expandir os limites de nossa casa ao espaço urbano, da mesma maneira que expandimos e abrimos os limites de nossa pessoa para o núcleo familiar, as possibilidades são imensas e ilimitadas, porque o círculo da família é ampliado de maneira infinita e, assim, a interação e a colaboração.

Anedoticamente, talvez por conta do destino, tivemos que ficar na Cidade Pedra Branca durante o percurso da pandemia de coronavírus, e, verdadeiramente, foi um privilégio poder experimentar esse lugar único, ainda que com as limitações óbvias do distanciamento social etc. Também nos permitiu reafirmar que os conceitos que promovem Pedra Branca – o de uma cidade mais humana, mais compacta, de uso misto, com ruas amigáveis –, está mais atual do que nunca e é um tipo de assentamento que, ao permitir ter tudo perto, gera vantagens e uma liberdade incomum. Ter tudo à mão, os locais de trabalho, poder ir à farmácia, ao supermercado caminhando, poder dispor do tempo, gera um estilo de vida transformador.

A cidade “caminhável” se reafirma, assim, dentro da paleta de opções de assentamentos urbanos como a mais adequada para enfrentar esses novos desafios. Assim, como parte desse desafio, a necessidade de espaços públicos de qualidade se torna completamente indispensável para a saúde. Experimentar o espaço externo de maneira positiva, a simples contemplação, o passeio, caminhar por lugares lindos e seguros se torna mais relevante que nunca, uma experiência enriquecedora que enche o espírito e que afeta positivamente a saúde física e mental. Por último, a geração de locais onde a diversidade de indivíduos, grupos humanos e gerações possam ser mais cientes da existência de seus próximos, de seus companheiros e se tornem mais solidários gera uma condição indispensável
para o desenvolvimento de uma sociedade mais saudável e, certamente, confluirá para a construção de um mundo melhor.

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* Arquitetos e urbanistas, Maximo Rumis e Marcela Leiva são fundadores da DPZ Latin America e da Keystone – referências mundiais em planejamento urbano, com projetos desenvolvidos nos Estados Unidos, onde vivem, e em toda a região da América Latina. A partir de uma abordagem holística, criam ambientes construídos de valor econômico, social, físico e estético internacionalmente reconhecidos. Maximo e Marcela atuam como consultores da Cidade Pedra Branca desde 2006, tanto na adaptação do masterplan aos preceitos do Novo Urbanismo como na criação da nova centralidade de bairro e no planejamento de novos empreendimentos. Entre março e maio de 2020, por conta do isolamento social decretado a partir da pandemia de coronavírus, moraram temporariamente no bairro-cidade que ajudaram a planejar, experenciando, na prática, como é viver na Cidade Criativa Pedra Branca.

 

Fotos: Lio Simas 

 


Artigo originalmente publicado na revista ÁREA apresenta: Cidade Criativa Pedra Branca, lançada em junho de 2020.