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Arquitetura paranaense: “a nossa cultura não pode e não deve ser terceirizada”

Por maio 13, 2020No Comments

O arquiteto e urbanista Marcos Bertoldi está liderando uma importante campanha pela valorização da arquitetura paranaense. Com o apoio de diversos colegas e entidades representativas do setor, o movimento é de resgate da história arquitetônica do Paraná com foco no mercado de incorporação de edifícios, especialmente o de Curitiba, para estimular a valorização dos profissionais locais.

“A partir desse resgate, insistiremos para que as contratações não releguem a um segundo plano os nossos arquitetos para que possamos manter o protagonismo e desenvolvimento da nossa cultura”, afirma Marcos Bertoldi, formado em Arquitetura e Urbanismo pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná em 1982, com especialização em arquitetura paisagística. Professor universitário, arquiteto premiado em diversos concursos, destaque na Imprensa especializada do Brasil e do exterior, Marcos Bertoldi é uma das vozes retumbantes da arquitetura brasileira que precisam ser ouvidas.

 

Revista ÁREA – Qual a motivação de lançamento da campanha e o que se observa no panorama da arquitetura paranaense atual?

Marcos Bertoldi – Observa-se, neste momento, especialmente no mercado de incorporação de edifícios em Curitiba, uma busca por projetos com maior qualidade arquitetônica, integrando, simultaneamente, arquitetura, interiores e paisagismo. O mercado sofisticou-se e uma nova geração de empreendedores tem se preocupado em oferecer edifícios mais comprometidos com a cidade e adequados aos nossos tempos. O início dessa retomada pode ser creditado a Alexandre Dely, que, através da L’Espace, em 2010, nos solicitou o primeiro projeto que viria a inaugurar esse novo período: o Edifício Gallerie, no Cabral, no qual fizemos os projetos arquitetônico, de interiores e paisagístico.

Percebe-se também, por parte de alguns incorporadores, uma tendência de contratações excessivamente voltadas para escritórios trazidos de outras praças. Isso se torna negativo, quando muitas vezes, para estes escritórios, reservam-se os melhores projetos, com maiores possibilidades e recursos, deixando, para os profissionais locais, os projetos menos relevantes e importantes.

Nossa missão, através dessa campanha de valorização da arquitetura paranaense visa a reversão dessa tendência, que consideramos provinciana e colonizada, de maior valorização pelo que é estrangeiro. Através do resgate da nossa História Arquitetônica, insistiremos para que essas contratações não releguem a um segundo plano os nossos arquitetos para que possamos manter o protagonismo e desenvolvimento da nossa cultura.

 

Revista ÁREA – O que mais pode ser creditado aos arquitetos locais?

Marcos Bertoldi – Além dos aspectos acima citados, de um ponto de vista mais prático e objetivo, a presença e acompanhamento das obras é um ponto fundamental. Escritórios externos acabam dependentes da contratação de escritórios locais para fiscalizar e gerar soluções durante o andamento das obras.

Arquitetos locais desempenham papel mais importante nas vendas pois têm sua carteira de clientes na cidade e podem ser requisitados para palestras, entrevistas e divulgação do empreendimento. Arquitetos locais conhecem melhor os nossos hábitos e cultura, nossas condições climáticas e legislação, além de encaminhar seus trabalhos para nossos engenheiros e fornecedores, movimentando toda uma cadeia econômica que passaria a ser invadida por outros estados.

 

Revista ÁREA – Quem integra o grupo e quais entidades o apoiam?

Marcos Bertoldi – Temos um grupo de arquitetos da AsBEA Paraná – Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura, do qual eu faço parte, exclusivamente dedicado ao assunto. Somos apoiados pelo CAU- PR, associações comerciais e de fornecedores, como o Núcleo Paranaense de Decoração, construtores e incorporadores interessados no desenvolvimento da Arquitetura Paranaense. A Imprensa em geral, além de importantes apoiadores individuais como o arquiteto, professor, doutor pela USP e reconhecido teórico Salvador Gnoato, dedicado ao estudo, análise e catalogação das obras do nosso Patrimônio Modernista.

 

Revista ÁREA – Qual a mensagem que se pretende passar com a campanha?

Marcos Bertoldi – Em primeiro lugar, adquirirmos uma consciência de que a nossa cultura não pode e não deve ser terceirizada. Temos um excelente acervo de obras na Arquitetura Paranaense – muitas vezes premiada e referenciada no Brasil e no mundo, como os prédios da Petrobrás e do BNDES, no centro do Rio de Janeiro, por exemplo -, que não pode ser esquecido ou negligenciado. A construção e o desenvolvimento de nossa cultura é uma atribuição de todos. Construtores e incorporadores devem levar isso em conta no momento de tomar suas decisões. Temos passado, e merecemos um futuro.

 

Revista ÁREA – Qual o papel dos arquitetos na defesa da identidade cultural local?

Marcos Bertoldi – A arquitetura é o mais importante dos registros históricos deixados pelas civilizações. Através dela temos acesso aos hábitos, costumes, rituais, crenças, desenvolvimento tecnológico, organização social e política de qualquer sociedade. Os arquitetos e seus contratantes são os promotores fundamentais desses registros e, para isso, devem, obrigatoriamente, responder a uma determinada época.

A arquitetura está inexoravelmente vinculada ao seu tempo. Não existe arquitetura sem contexto histórico. Devemos reconhecer, valorizar e desenvolver o nosso rico patrimônio construído, as nossas cidades, projetando a nossa história para as futuras gerações.

Não somos contrários à contratação de projetos externos. Nós, arquitetos paranaenses também trabalhamos nacionalmente e o trânsito de ideias e projetos é algo saudável e revigorante. Reagimos especificamente contra a ideia de que uma maior qualidade ou status depende da contratação de escritórios trazidos de fora. Escritórios esses que, em alguns casos, nem sempre são tão reconhecidos nos seus lugares de origem como são por aqui apresentados. A supervalorização do que vem de fora, incomoda, principalmente quando sabemos que as principais civilizações mundias fazem exatamente o oposto, valorizando, em primeiro lugar, os seus arquitetos, artistas, escritores e promotores culturais em geral.

 

Revista ÁREA – E como educar a sociedade e os contratantes nesse sentido?

Marcos Bertoldi – Devemos fazer um esforço de aprendizado para que possamos entender e valorizar a nossa cultura. Cidades são construções coletivas e a responsabilidade é compartilhada. Valorizar e proteger o nosso patrimônio, inclusive o mais recente, nos levará a ter uma História. Construir de maneira comprometida com a sua época, respeitando o ambiente natural e edificado, entendendo a importância coletiva de suas decisões, nos deixará um importante legado. Contratantes, sejam do poder público ou da iniciativa privada, sensíveis a esses aspectos, se tornarão produtores e co-autores da nossa cultura e da nossa história.

 

Revista ÁREA – O que seria ideal em relação a conceitos e linguagem a serem desenvolvidos?

Marcos Bertoldi – Arquitetura é contexto. Não existe arquitetura desvinculada de um contexto social. As tentativas de um precário revisionismo histórico, através de prédios mal apelidados de neo-clássicos … aparecem hoje como meros pastiches e opções oportunistas para atrair incautos, já abandonadas pela maioria dos construtores. A substituição desses por um igualmente pretenso ‘contemporâneo’, mal importado ou mal nascido, tampouco ajuda a melhorar esse cenário.

A linguagem arquitetônica evolui continuamente, e é compartilhada mundialmente, mas, também, assume características locais onde se apresenta. Em constante renovação, se modifica e se adapta aos tempos. Tudo o que for adequado a uma época e sublimar o seu tempo será lembrado; o restante irá para o lixo da história.

 

Revista ÁREA – Na prática, os concursos de arquitetura podem contribuir para a qualificação da arquitetura e valorização dos profissionais locais?

Marcos Bertoldi – Concursos são oportunidades abertas e um importante meio de democratização no processo de construção das cidade. Os projetos públicos de uma cidade deveriam, como regra, serem alvos de concursos ou, excepcionalmente, encaminhados para arquitetos de notório saber, independentes do poder público ou de escolhas autocráticas de um mandatário. Na área privada, os concursos se revestem de características muito distintas. Empreendimentos que visam e dependem de lucratividade deveriam, quando inclinados a promover um concurso, convidar os participantes e remunerá-los adequadamente. Não me parece razoável um grupo de escritórios trabalhar graciosamente em troca de uma eventual contratação, em benefício e vantagem exclusiva e desproporcional dos promotores do concurso.

 

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